Tema foi debatido em evento com a participação de Gabriela Wallau.
A cláusula de apuração de haveres e os limites à sua aplicabilidade foi o tema do último encontro do Grupo Técnico de Contratos, promovido pelo Women In Law Mentoring Brazil, no dia 18 de abril de 2023, cujas palestrantes foram Bianca Onófrio e Gabriela Wallau.
O Women In Law Mentoring Brazil é uma associação sem fins lucrativos, criada em 2015, que visa incentivar o protagonismo feminino no ambiente jurídico. O GT Contratos, por sua vez, foi criado visando fomentar o compartilhamento das experiências técnicas e dos estudos sobre contratos em suas diferentes nuances e setores entre as associadas.
“A apuração de haveres tem como pressuposto o rompimento do vínculo entre os sócios”, afirmou Gabriela. Após a apresentação de um panorama geral sobre a dissolução parcial das sociedades, Bianca destacou que as regras acerca da apuração de haveres podem ser consideradas deveras recentes do ponto de vista histórico, haja vista que foram positivadas no Código Civil de 2002 e no Código de Processo Civil de 2015. Além disso, salientou que, na legislação brasileira, houve o prestígio à autonomia dos sócios em dispor das regras de apuração de haveres, de modo que os critérios legais têm caráter supletivo.
Como a jurisprudência vem enfrentando os conflitos entre sócios no que tange à forma de apuração de haveres?
“De forma não linear, o que gera preocupação. Há posicionamentos distintos ao longo do tempo pelos tribunais. Temos que pensar em maneiras de contornar isso", respondeu objetivamente Gabriela. De acordo com a advogada, é preciso desenhar cláusulas de apuração de haveres que façam sentido para a respectiva sociedade. Se bem redigidas e utilizadas, referidas cláusulas podem evitar futuros litígios.
É certo que as relações sociais e societárias mudaram ao longo do tempo. Até o início da década de 1960, cogitar-se a dissolução de uma sociedade não era algo da cultura, assim como não existia divórcio à época, por exemplo. Atualmente, tornou-se uma praxe em determinados mercados, como o de private equity, cuja relação societária já nasce prevendo o rompimento futuro.
Deve ser observado que uma cláusula de apuração de haveres pensada e redigida atualmente, possivelmente será objeto de discussão daqui a 10 ou mais anos, por exemplo, o que traz bastante dificuldade em se prever como será interpretada.
“É importante, portanto, revisitar de tempos em tempos a cláusula de apuração de haveres para verificar se continua fazendo sentido para sociedade.”, afirmou Gabriela.
No que tange à evolução da jurisprudência ao longo do tempo, Gabriela realizou uma breve análise das decisões dos principais julgados sobre o tema no âmbito do STF e STJ. Ao final, concluiu que é necessário haver preocupação dos advogados com cláusulas que possam parecer potencialmente nulas.
Isso porque maus contratos são assinados diariamente; porém, isso não significa que são inválidos ou ineficazes. Especificamente em relação à cláusula de apuração de haveres, Gabriela entende que é diferente haver nulidade e o entendimento de suposta injustiça em face de eventual valor irrisório apurado, uma vez que é possível que se faça uma cláusula que estabeleça valor irrisório para desincentivar a saída do sócio ou para evitar descapitalizar a sociedade. Não se pode olvidar que há uma racionalidade pré acordada pelos sócios quando da redação da cláusula.
Na terceira parte do evento, foi debatido entre as palestrantes e os demais participantes se os limites impostos pela jurisprudência estão corretos e quais os mecanismos que podem ser empregados para aumentar as chances de aplicabilidade das cláusulas contratuais de apuração de haveres.
Para Bianca, o problema não está no fundamento trazido nas decisões do Poder Judiciário, pois, de fato, a liberdade contratual comporta limites. Entretanto, uma cláusula que prevê uma subvalorização propositalmente no caso de saída imotivada de um sócio não parece poder ser desconsiderada e analisada como leonina.
Nos debates, o advogado e professor da UFPR, Luiz Daniel Haj Mussi, ressaltou que “um detalhe muito interessante é que, no momento de gestação da cláusula de apuração de haveres, os sujeitos (sócios) não sabem quem estará em qual posição da cláusula. Por melhor que seja o esforço dos advogados, muitas vezes os sócios não querem desenhar todas as posições possíveis porque não sabem em que posição estarão.”. A questão acaba tornando-se mais complexa em razão da dimensão temporal desta cláusula e da ausência de definição dos interesses.
Para piorar a situação, as perícias de apuração de haveres muitas vezes são intermináveis, pois o critério legal supletivo é confuso e bastante nebuloso, o que não gera - evidentemente - nenhuma segurança jurídica quando o Poder Judiciário é chamado a se manifestar. Diante disso, Luiz Daniel afirmou que é necessário ter cuidado na precisão de como estabelecer o critério da cláusula, já que critério supletivo não ajuda a suprir essa lacuna.
Sabendo que o Poder Judiciário tende a ser bastante intervencionista, em que pese as disposições expressas nas leis de direito material e processual, e que o custo da discussão, independentemente do valor, é muito grande em razão do cenário de incertezas, Gabriela sugeriu que é necessário se pensar em alternativas no âmbito da resolução de disputas e do design contratual.
Como entusiasta da arbitragem, entende ser um método de resolução de conflitos mais eficiente do que o Poder Judiciário em razão da celeridade, confidencialidade e especialidade dos árbitros. Já no âmbito do design contratual, sugeriu a utilização de fórmulas, cálculos, disposições mais assertivas e racional específico que atenda os interesses e seja adequado à sociedade.
Bianca acrescentou, ainda, que a doutrina não enfrentou o tema com profundidade no Brasil. Conforme seu entendimento, os juristas vêm debatendo o tema de forma superficial ao afirmarem que as cláusulas de apuração de haveres devem respeitar os princípios contratuais, que devem adotar um critério proporcional e razoável etc. Portanto, verifica-se que há regras genéricas que acabam não auxiliando na prática.
Além disso, considerando que a temporalidade é uma preocupação, Bianca ressaltou que o cenário ideal seria a criação de cláusulas o mais completas possíveis a fim de evitar conflitos quando da sua interpretação.
Por fim, Luiz Daniel chamou atenção para o fato de que é a sociedade quem deve pagar os haveres do sócio, razão pela qual entende que é necessário atentar-se em qual instrumento contratual (contrato social, acordo de sócios etc.) serão estabelecidas as disposições sobre a apuração de haveres e a resolução de eventuais conflitos através da arbitragem.
As profissionais do escritório Gabriela Wallau Advocacia estão à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas sobre o assunto que foi tema do evento.